quinta-feira, 30 de junho de 2011

Contos de domingo




Comidinha de domingo da vó Edna, saborosa, acarinhada, aquele feijão verde, talharim com queijo ralado Pampulha, batatas cortadas grosseiramente douradas em misto de manteiga e óleo, farofa bolão (farinha de mandioca num prato uma covinha no meio para abrigar uma colher de manteiga da boa “aviação”, um pouco de cebola, sal e coentro bem picadinho na mão, água fervente para não escaldar a farinha) ela é umedecida em molho espesso de galinha de cabidela morta com aquela faca peixeira de mil novecentos e tarará.
Bom mesmo antes de comer os bolos feitos das suas mãos e entregues a escadinha de netos que se formava para comer essa delícia, era a farra da morte da galinha, a coitadinha da galinha comprada pela manhã bem cedinho na granja, que por volta das oito da manhã quase quatro litros de agua já fervia em uma panela grande, quando vovó pega a galinha pelas asas a prende pelos pés, e seu pescoço era despenado e dado leves batidas com o cabo da faca para facilitar o sangue escorrer, no chão um prato com vinagre, e um garfo para minha tia Jane bater o sangue que fosse saindo do pescoço da galinha, e eu ao ver toda aquela cena da degola da galinha me acabando de pena, sentimento que depois deu vez a pavor em ver a penada correr pelo quintal degolada e depois de muito correr ela cambalear e finalmente cair durinha e morta na minha frente.
Sem contar nos empurrões que eu levava da tia depois do ocorrido, nos domingos que se seguiram sempre teimava em participar da morte da galinha e era posta pra fora do quintal aos gritos por vovó ai que saudade disso tudo.


Hoje os domingos da minha vó continuam quase os mesmos, com exceção da morte da galinha. Minha querida vó você é linda, como é linda tudo que você faz, poder ter sido criada por você, ter aprendido segredos de panela de experiências únicas nas cozinhas das escolas, comidas de Quintana e quintais, de senzalas e casarões, orgulho-me hoje ter finalmente a profissão que junto comigo sonhaste tanto, a de cozinheira de forno a fogão.
Hoje eu escrevo, cozinho sonho, ofereço e tenho de volta tudo àquilo que eu pedir aos meus orixás; essas experiências são para mim como ganhar um beijo de minha mãe, gostoso, amoroso, suave, sal e açúcar no ponto certo, porque a mesma mão que bate, acarinha, a boca que morde ao mesmo tempo assopra, atos esses me fizeram ser a mulher que sou hoje.
Suas memórias minha querida vó, são exatamente como as minhas, que fluem docemente para o mundo da comida, são como noite de São João: tudo aceso e quente como as fogueiras que morríamos de medo de não conseguimos acende-las, acreditávamos que se não conseguíamos acender uma fogueira, no próximo são João não estaríamos aqui pra contar essas historias, eis uns dos motivos que eu preferia ralar milho e coco para a sua deliciosa canjica em vez de gastar energia atrás de madeira para a tal fogueira. Da qual só me aproximava ao sentir os estalos da madeira, e ver as brasas como estrelas no chão, devaneios no ar, coração na mão, com os sustos que tomávamos por causa dos fogos de artifícios que estourava nas ruas, sempre preferi as estrelinhas que compravas pra mim por ser menina e pra Igor tinha sempre um traque de massa. Que chatice deliciosa. Fecho os olhos e visualizo a mesa repleta de delícias, canjica, pé de moleque, manuê, feitos por tia Jane, os pratinhos destinados aos vizinhos eram pequenas delicias, carinho e consideração que se come, as, Marias, Lia, Neusa, Dora, e Lô já aguardavam no portão de casa os mimos, recomendávamos sempre o cuidado e a devolução dos utensílios usados para colocar as comidas; estes sempre voltavam com alguma outra comida, rituais esse feito para que nunca deixasse de ter comida em ambas às mesas.
Mesa posta, Viva! Hora do Ajeun, mas antes de comer é bom rezar, pra mostrar gratidão a Deus, pregar o amor fraterno, e a saúde no prazer de comer.
Somos todos abençoados filhos, netos e vizinhos de Dona Edna, acolhidos nessa mesa, nesse abraço, nesses sabores.
Iemanjá sincretizada na forma de Nossa Senhora da Conceição abençoa a alegria dessa matriarca seja no sereno de junho ou no calor de fevereiro, no estrelado céu; seja de Santo Amaro ou de Maranguape Deus é um só, seja onde for.
Todo dia é dia de comida! Dia de Edna! Dia de celebrar a vida, dia de agradecer o sopro de Orumilá em nossas vidas, Aprendi assim, todos os gostos, paladares, prazeres para toda vida. Deus nos guarde! Salve as águas que me fizeram nascer no seio dessa mulher, minha Oloxúm Edna Amara Sua bênção!

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