quarta-feira, 27 de outubro de 2010

orixás segundo Vilson Caetano de Souza Júnior





Reproduzo neste post textos sobre os orixás Oxun, Yemanjá e Xangô, de autoria de VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR, antropólogo que escreve na coluna de Religião publicada no caderno de classificados do jornal A Tarde.


OXUN


A ARTISTA DO UNIVERSO


texto de VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR*


Nos primórdios, Oxalá criou os sons, mas tudo continuava ainda confuso. Oxun combinou os diferentes tons. Ela havia acabado de inventar a música.

O culto ao orixá Oxun no Brasil confunde-se com o de Yemanjá, sua mãe. De acordo com o mito, Oxun teria nascido após a imposição das mãos de todos os orixás sobre a sua mãe.

Oxun é o princípio ancestral da maternidade, conceito que nos últimos anos passou a ser contestado por algumas correntes do movimento feminista, mas que ainda goza dentre os africanos valor fundamental. Enquanto alguns ancestrais são chamados de Ye, mãe, Oxun é chamada de Yeye, mamãe. Acredita-se que no momento da divisão dos poderes, enquanto alguns ancestrais brigavam pela terra, outros pelo ferro, Oxun apressou-se e pegou eyn, o ovo. A partir desse fato ela passou a acompanhar todos os acontecimentos.

Oxun está em tudo, pois ela regula tudo que é cíclico. Ela não somente comanda o ciclo menstrual, mas também as estações e o próprio movimento dos planetas. Oxun regula as marés, cuida das crianças e preside desde a fecundação ao amadurecimento dos frutos. A esse principio ancestral são consagradas todas as frutas.

Trinta anos atrás, quando ainda “a cidade de Salvador era um pomar”, no mês de dezembro, por ocasião da festa de Nossa Senhora da Conceição, barracas eram espalhadas em torno da Igreja para celebrar as “frutas do ano”.

Oxun foi a primeira pediatra do Universo. Ela auxiliava as crianças na hora de vir ao mundo ou retornar deste. Oxun assim acompanha os ritos de iniciação no mundo dos antepassados, pois ela está à frente de todos os nascimentos.

Desde cedo se associou esse principio ancestral às águas, Oxun, de fato, é todas as águas, sobretudo o líquido que preenche a placenta.

Na verdade, este princípio comanda “todas as coisas de dentro”. Oxun garante o funcionamento do nosso organismo. Assim, seu domínio vai além do sistema gastro-intestinal. Fato este que a fez desde cedo ser associada à comida. Se diz nos terreiros que Oxun é a dona da panela.

Se a panela representa o mundo, depois de tudo que explicamos, podemos dizer que Oxun dá sentido ao mundo, por isso é atribuída a ela a invenção da linguagem.

Como a costureira, Oxun une partes diferentes e o resultado é a quebra de fronteiras, a mesma observada no mercado.

Falando sobre o mercado, antes mesmo dos anos 60, referencial do momento em que algumas mulheres foram reividicando a sua independência, as sociedades yorubás já conheciam, além de mulheres no mercado de trabalho, sem abrir mão de sua maternidade, a figura da Yalodê, literalmente a “mãe que vai a rua”, ou a mãe que está na rua.

Ainda hoje podemos encontrar a Yalodê entre os yorubás. Trata-se de uma mulher designada pelas outras mulheres para tomar assento em decisões “fora de casa”.

A Yalodê fala no conselho por todas as mulheres e acredita-se que assim foi “desde o princípio do mundo”, quando Oxun foi convidada para acompanhar os orixás caçadores por todos os cantos da terra.

Outra imagem vinculada a Oxun é o pássaro. Verdade é que todas as aves pertencem a Oxun. Oxun cuida do mundo como a galinha cuida dos pintinhos embaixo de suas asas.

As histórias sobre este principio ancestral confundem-se com as histórias sobre a própria cidade de Salvador, cidade beira mar onde se canta em coro que “todo mundo é de Oxun”.

Segundo o Babalorixá Air José, três mulheres de Oxun comandaram a cidade no século passado: Maria Bibiana, Senhora de Oxun; Maria Escolástica, Menininha do Gantois, a Oxun mais cantada pelo mundo afora; e Caetana América Sowzer, a saudosa Yá Caetana Bagbosé.

Mãe Caetana era filha de Felizberto Sowzer, conhecido como Benzinho, que era filho de Júlia Andrade, filha de Tio Bangbose.

Benzinho era filho de Ogun e foi o responsável pela organização do jogo de búzios, conhecido como merindilogun no Brasil, conforme informações de seu neto consanguíneo Air José, filho de Tertuliana Souza, irmã de Yá Caetana.

No terreiro Pilão de Prata, a festa de Oxun realizada neste domingo [7.3.2010] é uma das mais concorridas. A festa é dedicada a Oxun de Mãe Caetana. Nesta comunidade, Oxun recebe o título de Yalê, mãe da casa.

Caetana América Sowzer ainda hoje é referenciada pelas pessoas que tiveram o privilégio de conviver com ela como mestra. Seu pai teria “traduzido” um dos sistemas adivinhatórios africanos mais complexos, mas coube a ela zelar com determinação pelos princípios fundamentais para a consolidação dos elementos civilizatórios negro-africanos no Brasil através da religião dos Orixás.

Mãe Caetana era uma Apetebi – como as esposas dos Babalawo, ela começava a transmitir as histórias sagradas desde cedo às crianças que tomava para criar.

Segundo o Pai Air, Mãe Caetana exigia que alguns momentos rituais, a fim de não se perderem, fossem registrados em cadernos, hoje amarelados.

Mãe Caetana era costureira, gostava de fazer bonecas, adorava artes. Era também músico, tocava violino.

Yá Caetana fez uma brilhante caminhada, como Oxun entendeu cedo que a serenidade vence qualquer guerra e que a simpatia é capaz de transformar qualquer momento em festa e alegria.

Hoje, aquela que foi chamada de Laju omim, olhos d’água, uma nascente, fonte, continua no mundo, agora no céu, certamente compondo a mais bela constelação, brilhando como uma estrela.

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VILSON CAETANO com estatuetas de Ibeji (Cosme e Damião), em sala do Terreiro Pilão de Prata, Boca do Rio, Salvador-BA. Foto de FERNANDO AMORIM | Agência A Tarde 24.9.2009





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YEMANJÁ


A MÃE DOS ORIXÁS

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texto de VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR*

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Sem sombra de dúvida, Yemanjá é o orixá mais popular no Brasil e talvez isso valha também para outros países costeiros, ou a beira mar, como Cuba, onde esta é considerada a rainha da ilha pelos santeiros.

Como outros ancestrais nagôs, o culto a tal orixá realizado na cidade de Abeokutá e no rio Ogun sofreu um processo significativo de reinterpretação simbólica no Novo Mundo.

O exemplo mais ilustrativo disso, é a perda de características guerreiras em detrimento da exacerbação de elementos como virgindade, pureza e docilidade, ideais por excelência da figura da Virgem Maria que desde cedo recebeu atributos das deusas africanas, a exemplo de Isis, de quem herdou o título de Mater Dei e de outras deusas gregas e romanas.

Diferente da ideia de humildade e submissão, características esperadas das mulheres pelos gregos como a terra que sustenta o céu, Yemanjá está no começo da criação do Mundo. Acredita-se que ela forma um par criativo com Oxalá. Isso explica a sua profunda relação com o elemento água, cheio de significados na maioria das civilizações.

Por exemplo, algumas mulheres indígenas do litoral se lavavam na praia, pois acreditavam que a espuma do mar as tornava férteis.

Yemanjá é o princípio criativo da fertilidade. Ela está na terra, nos grãos, nos rios, nos mares, em todas as mulheres e em todos os seus filhos, que coparticipam desse poder graças à força conferida pelas Grandes Mães.

As representações desse Orixá, que desde cedo foi associado às sereias, ao longo da história recebeu elementos que lhe afastam da representação africana. Em algumas dessas, para se falar da noção de beleza, se fez uso de características não negras. Desta maneira, a representação da mulher com seios volumosos e formas arredondadas cedeu lugar para a imagem de uma mulher branca, cabelos lisos e corpo magro e esguio.

Não estamos com isso contestando a capacidade de o devoto fazer a sua experiência religiosa nessas representações, mas chamando a atenção para o fato de que as imagens do sagrado vinculam visões de mundo e expressam valores da sociedade que lhe está produzindo o tempo todo. O problema está quando não nos damos conta disso.

Sobre isso, as mulheres do movimento negro iniciaram já há alguns anos uma crítica e tem se avançado muito.

E a sereia? Sempre disse que é o contrário do princípio da Grande Mãe, por tratar-se de seres que carregam a “maldição” de não poderem ter filhos, o contrário de Yemanjá, mãe dos Orixás, a menos daqueles ligados à dinastia de Oyó, como Ogun, Odé, Xangô e Oxun.

Da sereia grega, o símbolo que estabelece melhor diálogo com Yemanjá é a imagem do peixe que como o pássaro, o leque e as águas são considerados “princípios femininos” que não podem ser compreendidos em contraposição a outros.

Dessa maneira, o atributo por excelência da Grande Mãe é a guerra. Segundo um de seus mitos, ela teria ensinado Ogun a forjar as “pencas”, depois transformadas nos famosos balangandãs que, mais do que enfeites, cumprem funções de proteção; depois a espada para defender o seu reino.

Outra história conta como Yemanjá venceu alguns inimigos que marchavam em direção ao seu reino. Ela teria se enfeitado e levantado o seu leque que, em contato com o sol, multiplicou o seu exército.

Sobre a origem dos presentes oferecidos às águas, já explicamos no texto sobre as oferendas. Trata-se de uma prática antiga que pode ser encontrada em várias civilizações. A sua origem está na concepção do valor da troca de presentes com os ancestrais verdadeiros responsáveis pela manutenção das comunidades.

Nos últimos anos grupos ambientalistas têm aberto a discussão sobre o nível de poluição representado pelos presentes a base de produtos não degradáveis, como plásticos, vidros e outros. Claro que o povo de Candomblé não pode ser responsabilizado pela poluição dos mares, talvez isso valha para as indústrias e empreendimentos imobiliários que poluem as águas todos os dias a toda hora.

Temos, todavia, que estarmos atentos àquilo que oferecemos. Afinal, nossos antepassados não conheceram alguns presentes que hoje teimamos em colocar nas águas, e se tivessem conhecido, sem sombra de dúvida não colocariam, pois sabiam que o maior presente são os grãos, as flores e a nossa vida.

Nos terreiros de tradição nagô, diz-se que ela cuida de nossas cabeças e de tudo que se relaciona ao equilíbrio. Nas tradições angola-congo, este princípio é evocado com o nome de Kaia, mas há também tradições que o chamam de Aziri Tobossi, como a jeje.

Mais do que a designação, cada comunidade possui estórias próprias para falar desse ancestral da fertilidade que não pode ser encerrado na concepção da maternidade, afinal, há várias maneiras de conceber.

Vale mesmo não se afastar da ideia de que cada ser vivo que nasce é um ancestral que se faz presente através da constituição de longas famílias. Assim, Yemanjá, Kaya, Aziri Tobossi e mesmo Yara estão em tudo. Talvez no início tal princípio tenha sido associado às águas graças à importância que estas cumpriam nas civilizações responsáveis por tal representação.

O principio de fertilidade está, na verdade, em tudo. Ele garante o equilíbrio das coisas, as mantendo entrelaçadas como escamas, nos fazendo peixes filhos de uma mãe cujo filhos são peixes. Ye/ Omo/ Ejá.

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XANGÔ


AO REI DO MUNDO…

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texto de VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR*

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Xangô é rei. É rei no Batuque do Rio Grande do Sul, é rei no Xambá de Pernambuco, estado onde o seu nome é evocado para designar as religiões de matriz africana, é rei nos candomblés nagôs do Recôncavo baiano, é rei no Tambor de Mina no Maranhão e é rei nos candomblés jeje nagô na cidade de Salvador.

Não vamos entrar no mérito de suas histórias, falar sobre os vários mitos, sobre a sua origem, mas sobre o significado da figura do rei para a consolidação de identidades negro-africanas fragmentadas através da escravidão.

Em algumas cantigas, Xangô é reverenciado como rei do mercado, Obá loja e rei do mundo, Obá aiyê. Mercado, coração das sociedades iorubás, onde se alternavam o tempo todo bens materiais com simbólicos.

Verdade é que no Brasil, essa figura foi fundamental no processo de reconstrução e manutenção dos elementos civilizatórios negro-africanos no Novo Mundo. Não poderia ser diferente, manifestação do Divino, a figura do rei representa continuidade, a permanência da grande família africana inclusiva, que com o passar do tempo foi ampliada a fim de agregar novos membros, agora descendentes de portugueses, índios, judeus, ciganos e tantos outros.

O culto a Xangô é assim o culto à continuidade, à descendência, à família mantida viva graças às mulheres e as crianças. Daí a sua relação com os antepassados e o por que de Xangô ser o ancestral mais festejado na sociedade secreta de Egungum ou nos rituais fúnebres, ocasião em que os iniciados levam no pescoço uma conta em sua homenagem.

Ao contrário do que se diz, o culto a Xangô possui relações estreitas com a morte, com o culto aos antepassados, pois ele mesmo representa toda a sua descendência.

Mas de onde surgiu a ideia de que “Xangô tem medo da morte”? Talvez da má compreensão da simbologia do rei, associada a outras leituras.

Explicando: ao contrário do que muitas pessoas afirmam, o elemento de Xangô é a terra. Seu culto rememora as civilizações que desde cedo foram estabelecidas pelos africanos.

Xangô é dono de tudo que existe em cima da terra. Graças a essa relação, desde cedo esse ancestral foi evocado como pedra e tudo que estas significam numa edificação. Desta maneira este princípio ancestral está presente nos corpos celestes.

Essa relação entre as pedras e o corpo é muito antiga e pode ser encontrada em algumas regiões do Mediterrâneo e partes do Continente Africano.

Fogo, assim, e tudo que ele representou para a humanidade, era então obtido através da fricção destes dois corpos. Porém, anterior a esse momento, é bem provável que a humanidade já utilizasse as pedras para reter o calor, aproveitando para conservar os alimentos.

Já demonstramos em outro momento que a temperatura é algo fundamental para os seres vivos. Quando o corpo perde o seu calor, princípio de vitalidade, acredita-se que ele está morto.

Não podemos confundir esse momento com os Antepassados. Estes, como Xangô são muito quente, pois estão vivos, continuam sob as tiras de pano que separam de nossos olhos o mistério da vida e da morte.

Assim, quando evocamos o Rei nos rituais fúnebres, estamos afirmando que acreditamos na nossa ancestralidade e que ela é a garantia de nossa permanência para sempre no mundo.

Quanto ao corpo, devolvemos à terra, pois como já comentamos, dessa devolução depende a continuidade da vida dos que virão. Afinal, tudo não é cíclico? Tudo não é uma manifestação do Sagrado?

A partir dessa explicação podemos pensar várias coisas. É certo que africanos e africanas tinham em mente a concepção de que as pedras deveriam estar juntas para poder produzir calor a fim de manter-se vivas. E assim fizeram.

Assim uma das características do culto ao rei preservada no Brasil foi a presença de muitas pessoas. O culto a Xangô requer muitas pessoas. Como se diz. Xangô adora gente. E o que é o mercado? Nada mais do que indivíduos que rompem suas fronteiras, quebram tabus. O rei também adora festas, comidas, bebidas.

Não foi a toa que quando os africanos organizaram os primeiros afoxés, o rei ia à frente, que digam os maracatus de Pernambuco.

E falando em Maracatu, como não falar da Kalunga, a boneca que diviniza nossos antepassados?

Falando sobre esse ancestral, no Brasil não podemos deixar de mencionar o nome de Tio Bangboxé. Ele teria chegado ao Brasil para ajudar na constituição de alguns terreiros de Candomblé que se formavam na cidade de Salvador no século XIX, onde o culto a Xangô era elemento central.

Fiel à sua missão, Bangboxé Obitikó constituiu no Brasil longa descendência através da família consanguínea que formou e da religiosa que desde cedo constituiu através de suas viagens a Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife.

Ainda hoje membros da família Bangboxe vêm da Nigéria visitar seus descendentes brasileiros.

O Babalorixá Air José lembra com saudade quando há dezesseis anos, sua tia consanguínea e bisneta de Tio Bangboxe passava horas conversando com seus parentes na sua casa, situada à Rua Xisto Bahia.

Da família consanguínea, destacamos a figura de Tia Júlia. Era filha do Tio Bangboxé; e da religiosa, Eugênia Anna dos Santos, a inesquecível Mãe Aninha que cem anos atrás fundou o Ilê Axe Opo Afonjá.

No terreiro fundado por Tia Júlia no Matatu, está à frente ainda hoje Irenea Sowzer, filha de Xangô e última bisneta do Tio Bangboxé. E no Terreiro da Rua Xisto Bahia fundado por Yá Caetana, está Yá Haydee Paim, também de Xangô.

Xangô que é rei, que gosta de coisa bonita e é muito vaidoso. Não no sentido pejorativo que utilizamos a palavra. Vaidade no sentido da autoestima.

O culto a Xangô nos faz olhar para dentro de nós mesmos, nos faz perceber que quando permanecemos unidos como pedras que formam o alicerce de uma construção, somos fortes. Ele ainda nos impulsiona a lutar contra todos aqueles que não se alegram com a nossa alegria. Viva o Rei!!!!

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*Vilson Caetano de Sousa Junior – Antropólogo, doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo, pós-doutoramento em Antropologia pela Unesp

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

9° Festiva Gastronômico de Pernambuco "A cozinha de terreiro na alta gastronomia"








9° Festiva Gastronômico de PE

Aff maria de coração nas mãos primeiro foi a etapa didática, apresentamos power point com o tema " CANDOMBLÉ UM RITO SUSTENTÁVEL", mostramos que o candomblé já praticava o que chamamos de sustentabilidade há mais de séculos, e o queanto é importante a preservação de culturas perdidiças.

já a segunda etapa teríamos um volshers de 200,00 para comprar insumos para elaboração de um prato a partir da proteína "peixe", fomos as compras eu e meu lindo parceiro Felipe e gastamos 151,00 pra fazer prato para 6 pessoas, Com uma plateia de 70 pessoas cozinhamos sob toque de tambores levado pela torcida do IlÊ AXÉ OGBON OBÁ de pai Everaldo de Xangô, fizemos o prato AXÉ OGUNDÁ "filé de surubim sob cama de latapá e acaçá recheado com queijo coalho e banana da terra.

... E adivinha: a receita campeã foi a receita que fiz com Felipe José " AXÉ OGUNDÁ"

nem acreditei, aff maria nunca sentí uma emoção dessas, quero de novo... tudo de novo...







Conseguimos mostrar que uma cultura que é tão rica quando o candomblé e tão antiga pode ser desconhecida por tanta gente, e por isso que algumas pessoas possam ter um certo receio, mas quem é que no Brasil não tem um sangue afro e foi nisso que apostamos num resgate de culturas perdidíças e conseguimos. Agradeço a Carmen essa mulher tão rica de cultura que me abriu os alhos para uma religião/cultura que nossos antepassados cultuavam e que muitos de nós não a conheçemos...
Felipe José


E agora só nos resta colher os frutos dessa grande conquista, agradeço a meus amigos que de alguma forma me ajudaram e incentivaram, a minha família, a meu irmão Everaldo, a meu marido por ter segurado a barra em casa enquanto estava pensando nesse projeto, a meu lindo forever FELIPE que pra mim não teria conseguido sem ele pois comida de orixá é energia de dentro pra fora e pra ter ficado maravilhoso o prato foi porque ele também deu muito de sua energia nele, e prncipalmente aos meus orixás, meu santo, meu amor, minha vida Xangô sem meu pai nada valeria a pena, pois a sustentação e a vontade de fazer com que os sonhos se realizem tem que partir de algo e sempre busco inspiração nos meus guias.
obrigado ao mundo por ter conspirado em favor do meu sonho!!!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Comida de Santo


Explorando o assunto Comida de Santo, pode-se encontrar na literatura alguns textos. Fazendo-se agora um resumo e algumas colocações. Nina Rodrigues, em seus estudos, ao abordar à arte da culinária africana, achou difícil precisar, devido ao estado atual dos costumes, à quais grupos pertenceriam determinadas comidas. Já Manuel Querino assinalava que a contribuição dos grupos bantos, angolanos e jejes eram maiores que as dos nagôs, contrariando a tese dos que insistiam na sua predominância.

Nos terreiros, esta cozinha, marcada por uma série de preceitos e interdições, vai aparecer relacionada diretamente aos deuses através das chamadas comidas do santo. Assim, cada um deles irá receber em dias especiais (ou não) pratos de sua preferência. Não se trata, porém só de comer e sim o que se come, o que não se come, quando se come, com quem, participam de um todo integrado que diz respeito a códigos imprescindíveis dentro da culinária dos deuses. E mais ainda, esta comida dentro da dinâmica dos terreiros é um dos veículos de vital importância para a transmissão e distribuição de axé.
Seja essa comida reelaborada a partir de técnicas e maneiras predominantemente banto, jeje ou yorubá, esse negros modificaram as refeições do reino como já exposto. Outro fato que deve ser considerado é a falta de mantimentos num país desde o começo assolado pela fome. Da nova terra, o português ao lado das caças e muitos frutos, só pôde aproveitar a mandioca e o milho que eram alimentos básicos para o sustento e o qual era oferecido aos negros. Adotar os mantimentos da terra, ao lado de importar tantos outros como, por exemplo, o gengibre, arroz, inhame, banana, coco, dendê, foi à solução encontrada pelos portugueses para suprir a falta de alimentos. Cascudo (1970) diz que ao fim do séc XVIII os produtos americanos já estavam tão difundidos na África portuguesa que participavam das refeições nos negros, escravos ou livres.
Os ingredientes africanos vindos da áfrica, como o quiabo, o inhame, erva-doce, gengibre, gergelim, amendoim, melancia, dendê e outros foram entrando aos poucos no Brasil de acordo com as exigências do tráfico ou da população aqui estabelecida. Não é possível, no entanto, se pensar nesta cozinha e nem em uma outra somente a partir de tais elementos. Ela é mais do que um conjunto de matérias naturais que podem ser adaptados e substituídos. Esse próprio fato obedece a uma certa ordem inscrita nos mais remotos tempos, fazendo com que a comida não perca seu sentido nem se afaste da visão do mundo que ela representa. O que dá identidade à determinada comida não é a origem dos vários ingredientes combinados, mas a maneira como estes elementos são combinados. E estas maneiras obedecem a determinados ritos que lhe dão sentido e, como tais, apresentam-se como algo criativo. Assim, é completamente arbitrário buscar precisar datas para essa culinária, entendendo esta como algo parado, fechado, se o próprio tempo se incumbiu de dinamizá-la.
As condições de possibilidade para se pensar uma cozinha africana não podem ser pensadas em nível cronológico, assim como não podem prescindir desse tempo. Elas vão acontecendo, se dando, de acordo com o tipo de situação servil ou livre e o lugar em que vivia o africano, variando, desde o primeiro momento em que dividiu a cozinha com as africanas cozinheiras, até quando pôde, ante as novas condições suscitadas pelo processo histórico, negociar um tabuleiro.
O processo de criação das comidas africanas também se deve a importância dos jejuns e das festas regulados pelas igrejas ( outra questão complexa que não cabe abrir aqui). Os africanos tiveram também que adaptar às vezes sua alimentação, a hora e quantidade que se podia comer impostas pela igreja. Todavia, quando puderam providenciar seus próprios alimentos. é muito provável que tenham lançado mão do conhecimento acumulado e das várias experiências trazidas de suas terras, já somadas a tantas outras.
Tudo isso que foi colocado pelos autores não se trata de um retorno à África, mas fazer com que comida se faça africana, ou seja, remonte a histórias e passagens, visões de mundo associadas aos ancestrais, princípios universais ou antepassados, aos primórdios dos tempos quando estes fundaram a humanidade, constituíram as cidades e criaram os diferentes grupos. Visões de mundo juntadas a inúmeras outras experiências históricas constituídas no Novo Mundo. É este fazer que faz com que tal comida seja comida de santo.
A comida de santo diferencia-se, assim, daquela do dia a dia. Uma coisa é cozinhar um inhame e dividi-lo em pedaços e come-lo no café da manhã. Outra é preparar esse mesmo inhame para Oxalá, quando variam desde o tamanho, a forma das raízes, os procedimentos observados para sua feitura e por fim, as palavras ditas para encantar a comida. Fazer um feijão no azeite não é o mesmo que preparar um Omolocum. Neste nada pode se escapar, se escolhe bem os grãos, pois Oxun liga-se à fecundidade. Os deuses comem comida mais elaborada. Embora os ingredientes sejam os mesmos, mudam o tratamento que estes recebem. E a forma como estes são tratados expressa seu sentido através de um ritual onde nada é por acaso. Assim, Exu pode comer de tudo com já dizia um de seus mitos. Ogun pode receber feijoada, uma vez que as carnes gordas lhe pertencem. E Oxossi por se ligar a terra, recebe todos os frutos dados pelo Novo Mundo.

FONTE: Faces da Tradição Afro-Brasileira – CNPq
Santo Também Come - Raul Lody

domingo, 28 de março de 2010

Lembranças de Infancia





Lembro-me bem que em casa minha mãe possuía uma imagem de Iemanjá, enorme. Eu era apenas uma menina. nasceu dentro de mim, um carinho diferente por aquela senhora, de braços abertos, sorriso estampado, um manto em tom azul, com conchas caindo por seus braços, como diz hoje minha filha “glamurosa”, parecendo levitar sob águas em constante movimento. Sentia que era ela quem cuidava de mim como uma boa mãe que sempre foi, daí o meu amor incondicional a esse orixá.

Lembro-me que ao chegar à fase adulta e estarmos em melhores condições nos mudamos para um bairro onde tem uma Iemanjá na areia da praia, só que em dimensões ainda maiores, e é essa senhora que hoje minha filha adora gritar seu nome quando o carro pela ponte que fica próximo a ela passa; hoje eu, minha mãe que por sinal é filha de Iemanjá e minha filha sempre que pudemos vamos aos pés de Iemanjá e sob o som do mar, silenciosos, fazemos nossos pedidos, acendemos velas, agradecemos. A sensação de alívio e de proteção que é incrivelmente pessoal e intransferível.

Recordo-me também da delícia que era dona Lô, aquela senhorinha amável que adorava doces, muito simpática, com um ramo de “ervas mágicas”, rezando-as bem baixinho por todo o meu corpo, pedindo aos santos que mandem suas energias para me proteger, ou até mesmo das lindas festas de São Cosme e Damião do terreiro dessa mesma senhorinha, onde adultos inclusive seu filho, incorporados com os Erês brincavam conosco como se fossem verdadeiramente crianças. lembro-me bem de um homem menino arteiro, saltitante e levado chamado Lírio.

Hoje, após tantos anos, recordo-me do cheiro do mel, do dendê no fogo, das lindas festas, das comidas deliciosas, que na época era a ekédji Maria dos Prazeres que fazia, haaaaaaa como admirava aquela baixinha que se foi para junto dos nossos ancestrais, guardo-a comigo no coração porque tenho certeza de que fui muito amada por aquela mulher sábia, que mesmo na mais alta humildade de condições me ensinou muto do que hoje sei sobre cozinha de terreiro, ela foi a primeira a falar qual era de fato o meu orixá, sinto na boca o gosto que é se lambuzar com os bolos e doces das festas dos caboclos, das reuniões de de iniciação em jurema, onde o pai de santo sempre perguntava "quem pode mais do que Deus? e nós sob a aurea e o forte cheiro de alfazema respondíamos, ninguém". hoje estou caminhando para me tornar uma mãe pequena de uma casa de “culto dos deuses africanos”, na nação nagô, meu encontro se dá nos segredos das cozinhas dos orixás.

É na batida do tambor, no ijexá toque cadenciado pra oxum, na água da quartinha, no banho de folhas e ervas, no assentamento de meu pai Xangô, na riqueza de seu padê, no omolocum de Oxum e acarajé de Iansã, nos mitos dos orixás, que encontro minha esencia do meu self.

Explico-me. Self é a compreensão de que os orixás, energias-arquétipo se manifestam na natureza e na vida humana, não como se estivessem fora do indivíduo, mas dentro dele, em contato constante. Ou seja, o orixá está em cada um de nós, de modo indissociável, “do nascimento à morte, da fome a fartura, da alegria à raiva, do amor à dor. Daí a necessidade de nos “apossarmos” desses deuses e deusas como o próprio self, símbolos representantes das forças básicas da vida, de nossa vida.

O projeto do Restaurante teve inicio a partir de um sonho que eu tive logo após de dar uma oferenda aos orixás onde nesse dia eu ofertara uma cesta de presentes para oxum, digo que ao dormir sonhei cozinhando pra um monte de pessoas comuns, num ambiente que não era uma casa de santo, mas sim de um restaurante onde era servido o “Banquete dos Orixás”. Ao acordar não conseguia parar de pensar nesse sonho, o que fez com que eu viesse a comentar com um amigo e meu Babalorixá, ao ouvir o meu relato este perguntou se eu havia feito algum pedido em relação a minha vida profissional na cerimônia da entrega dos presentes a oxum, e eu respondi que sim, porque acabara de me formar em designer de interiores, mas não sabia ao certo se tinha feito a escolha certa, então tinha pedido para oxum me abençoar e ajudar a clarear minhas idéias para que ela apontasse um caminho pra eu seguir.

O babalorixá me confidenciou que são muito comuns os sonhos logo após uma oferenda bem aceita pelos orixás e que talvez este tivesse sido um recado dos orixás pra mim, escolher que caminho seguir...

É bem verdade o meu dom natural de cozinhar bem, e que por isso fui escolhida pelo orixá da casa para coordenar a cozinha dessa mesma casa de santo, mas nunca achei que poderia um dia viver disso, pois sempre cozinhei pra amigos como forma de exercício de generosidade, pois acredito que o maior tempero de uma comida é o amor, amor este que costumo botar em tudo o que faço.

Outro ponto também é que talvez esse projeto tivesse incutido na minha cabeça, mas eu nunca pensara dessa forma ao ponto de torná-lo um projeto de vida, eu sempre me fiz perguntas tipo: como seria a reação das pessoas se elas pudessem ter o acesso a estas comidas? Ou melhor, o que pensariam algumas pessoas quando comessem algumas comidas sabendo da sua origem? Sabendo que essas mesmas comidas são usadas nas oferendas dos orixás.

E a origem do nome “pedrinha de aruanda”, foi depois de uma nova conversa com uma entidade que pra mim é muito especial João Felipe de Aguiar, Um mestre da linha de jurema que eu costumo conversar sempre, pois pra mim ele é muito mais que uma
Entidade, pra mim ele é um ser de luz, um anjo da guarda que sempre recorro em todos os momentos da minha vida, pois sem eu falar o sonho que tive, ele falou minha querida Carmen você deve encontrar sua felicidade dentro de você e procurar le ouvir melhor, seguir mais sua intuição, “vejo você em algo com simplicidade e ares de palácios”, o que você tem a fazer é tentar algo que todo mundo goste, mas que você consiga fazer sua diferença.

Então imediatamente confidenciei o meu sonho e meu desejo e temor que envolvia todo esse projeto; temia perder o pouco de dinheiro que possuía, temia o preconceito das pessoas, com um desejo que poderia chegar aos extremos a glória ou a ruína, então ele me falou uma coisa que me fez ir as lágrimas “filha corra atrás do seu sonho, não fique esperando as coisas surgirem como facho de luz, eu posso energizar você, deixar você aberta pra que você receba tudo de bom que a vida pode te oferecer, abrir teus caminhos, mas nunca as coisas cairão do céu, Deus deu livre e arbítrio as pessoas e eu posso te aconselhar mas não posso mudar o que Deus escreveu pra você”.

Ao ouvir aquilo que tanto me emocionara eu cair em mim e decidi que não só iria abrir o Restaurante, como também iria me especializar naquilo, pois era fato que eu sabia de cor e salteado tudo o que acontecia nas cozinhas das casas de santo , eu mesma já tinha preparado por diversas vezes as oferendas dos orixás, então decidi fazer graduação em gastronomia mas não seria um curso estudado em qualquer instituição, teria que ser numa instituição conceituada e respeitada por todos, decidi fazer no SENAC, para além de conhecer toda a culinária mundial, eu aprenderia técnicas de gestão de pessoas, manipulação e técnicas de armazenagem de alimentos, eu mesma criar meus pratos e me especializar na comida que hoje chamam de afros brasileiras.

E o nome Pedrinha de Aruanda surgiu na toada que esse mesmo mestre canta toda vez que vai embora... E ao ouvir aquela toada tantas vezes já cantada por mim veio aquela sensação de que era aquilo mesmo que queria, ao ouvir trechos dessa canção; “pedrinha miudinha de aruanda êêêê, lajedo tão grande pedrinha de aruanda êêê”.

É bem verdade que a linha do povo de aruanda engloba outros seguimentos das casas de santos, mas também tem os orixás que serão o ponto focal desse projeto cultural, pedrinha que é algo pequenino, um pedacinho e aruanda que significa o Édem pra nós, o céu pros católicos então o nome pedrinha de aruanda significa “pedacinho do céu”.
E é esse projeto misto de magia, culinária e decoração onde eu contarei através dos pratos servidos na casa toda a história dos orixás partindo do quadrado amoroso vivido pelos orixás Xangô, Obá, Iansã e Oxum, contando de uma maneira linda toda a magia e encantamento da culinária que envolvia os protagonistas dessa história a começar pelo dia em que Obá cortou sua própria orelha para servir num prato de caruru a Xangô acreditando na deusa Oxum que dizia que ele adorava os seus pratos por causa da orelha... Onde servirei o famoso banquete dos orixás um pouco de tudo que é servido aos orixás nas oferendas, com toques genuinamente brasileiros para que todos possam saber a origem e mergulhar nesse mar não só das histórias dos orixás e da áfrica como também as historias do início da cultura negra no Brasil e no mundo.

Culinária dos Orixás




Certo que os Orixás comem o que os homens comem, porém, recebem a seus pés, nos terreiros, comidas onde os modos de preparar, ao lado dos saberes: palavras de encantamentos (fó), rezas (àdúrà), evocações (oriki) e cantigas (orin) ligadas a estórias sagradas (itan), são elementos essenciais e vitais para a transmissão do axé ”
Vilson Caetano de Souza Junior

Existem certas peculiaridades no Candomblé que às vezes as pessoas não compreendem muito bem. Uma delas explica-se pelo fato da culinária, dentro da casa de Candomblé, ser de grande importância porque as comidas oferecidas aos Orixás são sagradas e imprescindíveis, tornando a cozinha um lugar de grande movimento. Por isso vou explicar de uma maneira simples o significado da comida para o "povo de santo", como se diz no Brasil. A narrativa é baseada em algumas pesquisas bibliográficas e em experiência vivenciada dentro do candomblé, desde criança onde costumava freqüentar a casa de uma Ialorixá hoje centenária a Sra. Maria Rodrigues Pinto, ou simplesmente como ainda a chamam tia Lô. Eu sempre muito observadora achava lindo ver as mulheres do terreiro preparar os pratos dos orixás, me encantava a forma como era feito, com cânticos, a alegria, e muito respeito ao culto aos Orixás.

Encantava-me mais ainda ver que o acarajé que hoje é um patrimônio nacional se originou na áfrica e que é dado como oferenda ao orixá Iansã senhora dos ventos e tempestades, e que manjar que não é por acaso que algumas pessoas chamam de manjar dos deuses ele é realmente servido para uma deusa a mãe de todos Iemanjá.

Conta-se que no começo era tudo água, e depois da criação do mundo, os deuses que habitaram a terra antes mesmo dos homens, e durante algum tempo juntamente com eles, alimentavam-se de acordo com suas preferências. Como tudo no mundo foi dividido entre eles, a alimentação também o foi, surgindo assim as iguarias prediletas de cada Orixá.

Dividir o alimento com os deuses é ter a insigne hora de comer com eles, garantindo, dessa forma, a presença dos Orixás em nossas vidas e da refeição em nossa mesa.
Vocês não têm noção o quanto triste é ver um orixá que ao chegar em terra, fala muitas vezes com mais gestos e lágrimas que estão com fome, pois alguns filhos de santos se esquecem dos orixás e passam anos para fazer uma oferenda aquilo que chamamos de obrigação, pois orixá bem alimentado é a certeza de que tudo que depender deles dará certo em nossas vidas, ao vermos os búzios alafiá que estamos protegidos pelos orixás e que eles estão intercedendo perante Deus e Orumilá em nosso favor em tudo que vamos fazer em nossas vidas, ao descuidarmos dos nossos orixás esquecendo que eles comem e que precisam transmitir o seu axé através da comida, somos esquecidos por ele e tudo se fecha quando o nosso anjo da guarda nos abandona, estamos suscetíveis a coisas negativas em nossas vidas.

Ao preparar as comidas de santo, deve-se observar os tabus de cada um deles. Por exemplo, o azeite de dendê nunca deve ser oferecido a Oxalá, o mel é proibido a Oxóssi, o carneiro não pode sequer entrar em uma casa consagrada a Iansã etc. Os filhos de santo devem observar todas as quizilas dos seus Orixás e, sendo parte do Orixá, também não podem consumi-las.

A ijoyé encarregada de preparar as comidas dos Orixás é a Ìyá Basé, um cargo outorgado apenas a mulheres de grande sabedoria e respeito junto à comunidade. Ela é a mãe que conhece todos os segredos da cozinha e que sabe que o principal ingrediente para uma boa comida de santo, capaz de alcançar as mais altas dádivas, é o amor.

O primeiro Orixá cultuado também é o primeiro a comer, Exu ele come tudo que a nossa boca come, as oferendas dadas ele mais comumente são os padês a base de farinha de mandioca branca, combinada com azeite de dendê ou mel de abelha, água, bebida alcoólica e acaçá vermelho feito com farinha de milho amarelo e enrolado em folha de bananeira. em algumas ocasiões também são utilizados pimenta, cebola, bife e moedas nas oferendas a este Orixá.

Nas oferendas a Ogum são dados inhame assado com azeite de dendê e feijoada.
Oxóssi come axoxó feito com milho vermelho cozido decorado com fatias de coco. Ele também aprecia frutas e feijão fradinho torrado. As comidas devem ser colocadas sob o telhado ou aos pés de uma arvore.

A oferenda dada a Obaluaiê é a pipoca. Utilizando areia da praia para estoura-las e enfeitando com fatias de coco.

Oxumare prefere que sejam dados em oferenda a ele, bata doce amassada e modelada em forma de cobra e também farofa de farinha de milho com ovos, camarões e dendê.
Ossaim prefere acaçá, feijão, milho vermelho, farofa e fumo de corda.

O acarajé de forma arredondada com dendê é a oferenda consagrada a Iansã, mas também é do agrado de Obá.

Obá também tem preferência por um bolinho de nome abará que consiste em uma massa de feijão fradinho temperado com dendê enrolado em folha de bananeira e cozido em banho-maria.

O omolocum, feijão fradinho cozido com cebola, camarões e azeite de oliva e decorado com ovos cozidos e descascados é de Oxum.

Iemanjá prefere peixe de água salgada, regados ao azeite e assados, milho branco cozido e temperado com camarões, cebola e azeite doce, manjar com leite de coco e acaçá.

A Nanã é oferecido efó, mungunzá, sarapatel, feijão com coco e pirão com batata roxa.
O amalá pertence a Xangô. O amalá (pirão de inhame) deve untar o fundo da gamela e sobre ele é colocado o caruru decorado com pedaços de carne, camarões, acarajé e quiabo, doze unidades de cada e enfeitado com um orobô. É válido lembrar que a oferenda deve ser servida quente.

Oxalufã só aceita comidas brancas e tem preferência por milho branco cozido e sem tempero.

O inhame pilado é oferenda de Oxaguiã.
As comidas oferecidas a Orixás Funfun, devem ser sempre colocadas em louças brancas.

Um dos significados que podemos atribuir à palavra Axé é o da transmissão de força e recriação, evidenciada na lei de que tudo que dispomos na natureza, até mesmo a vida, devemos a ela devolver. Por isso, quando queremos levar nossos pedidos aos Orixás, o fazemos através de uma oferenda em forma de comida. Sabemos que estes pedidos serão ouvidos de acordo com a forma como são transmitidos. As oferendas quando devolvidas a terra ou à água transformam-se no húmus fertilizante que auxiliará na geração de novas vidas. Quando os pássaros, por exemplo, carregam esta alimentação para outros lugares, estão levando as sementes que germinarão em outras paragens. Nesse momento está se concretizando uma das formas mais bonitas de transferência de Axé.

é importante a conscientização dos terreiros para que procurem sempre colocar essas oferendas de matéria orgânica em vasilhas biodegradáveis, ou fora delas, direto no local. o uso de recipientes de vime forrados com folhas, balaios e sacos de pano, deve ser usado por todos, pois tudo isso se desfaz na natureza e não a polui, nem causa acidentes. Este zelo com a natureza é que nos caracteriza como cultuadores dos Orixás, que são os deuses da mãe natureza. Para continuarmos cultuando os Orixás, precisamos conservá-la. Pois, onde não há água limpa, muitas árvores, terra boa, não há habitat para os Orixás.

Posso afirmar, em conclusão, que no Candomblé a alimentação é uma das coisas mais importantes para o desenvolvimento das práticas religiosas. Inclusive, é importante destacar que comer desses alimentos também constitui uma forma de receber o Axé. Durante o oferecimento das comidas são realizadas saudações e entoados cânticos em forma de orações, invocando a força dos Orixás e pedindo que eles aceitem o que lhes é entregue de bom grado. Essa oferenda, então, passa a estar impregnada de toda força invocada, que também é Axé. Por isso devemos comê-la com concentração e em silêncio, pois estamos partilhando de um momento sagrado com os orixás.

Haveria muitas outras formas de falar da importância da comida no candomblé. Porém, a intenção desse trabalho é de fornecer algumas receitas dessa culinária maravilhosa, que é o banquete dos Orixás, do qual nós, seres humanos, às vezes temos a honra de compartilhar com eles, pois são deuses próximos de nós, que vêm falar com a gente, que dançam entre as pessoas. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais nos apaixonamos por eles.