domingo, 28 de março de 2010

Culinária dos Orixás




Certo que os Orixás comem o que os homens comem, porém, recebem a seus pés, nos terreiros, comidas onde os modos de preparar, ao lado dos saberes: palavras de encantamentos (fó), rezas (àdúrà), evocações (oriki) e cantigas (orin) ligadas a estórias sagradas (itan), são elementos essenciais e vitais para a transmissão do axé ”
Vilson Caetano de Souza Junior

Existem certas peculiaridades no Candomblé que às vezes as pessoas não compreendem muito bem. Uma delas explica-se pelo fato da culinária, dentro da casa de Candomblé, ser de grande importância porque as comidas oferecidas aos Orixás são sagradas e imprescindíveis, tornando a cozinha um lugar de grande movimento. Por isso vou explicar de uma maneira simples o significado da comida para o "povo de santo", como se diz no Brasil. A narrativa é baseada em algumas pesquisas bibliográficas e em experiência vivenciada dentro do candomblé, desde criança onde costumava freqüentar a casa de uma Ialorixá hoje centenária a Sra. Maria Rodrigues Pinto, ou simplesmente como ainda a chamam tia Lô. Eu sempre muito observadora achava lindo ver as mulheres do terreiro preparar os pratos dos orixás, me encantava a forma como era feito, com cânticos, a alegria, e muito respeito ao culto aos Orixás.

Encantava-me mais ainda ver que o acarajé que hoje é um patrimônio nacional se originou na áfrica e que é dado como oferenda ao orixá Iansã senhora dos ventos e tempestades, e que manjar que não é por acaso que algumas pessoas chamam de manjar dos deuses ele é realmente servido para uma deusa a mãe de todos Iemanjá.

Conta-se que no começo era tudo água, e depois da criação do mundo, os deuses que habitaram a terra antes mesmo dos homens, e durante algum tempo juntamente com eles, alimentavam-se de acordo com suas preferências. Como tudo no mundo foi dividido entre eles, a alimentação também o foi, surgindo assim as iguarias prediletas de cada Orixá.

Dividir o alimento com os deuses é ter a insigne hora de comer com eles, garantindo, dessa forma, a presença dos Orixás em nossas vidas e da refeição em nossa mesa.
Vocês não têm noção o quanto triste é ver um orixá que ao chegar em terra, fala muitas vezes com mais gestos e lágrimas que estão com fome, pois alguns filhos de santos se esquecem dos orixás e passam anos para fazer uma oferenda aquilo que chamamos de obrigação, pois orixá bem alimentado é a certeza de que tudo que depender deles dará certo em nossas vidas, ao vermos os búzios alafiá que estamos protegidos pelos orixás e que eles estão intercedendo perante Deus e Orumilá em nosso favor em tudo que vamos fazer em nossas vidas, ao descuidarmos dos nossos orixás esquecendo que eles comem e que precisam transmitir o seu axé através da comida, somos esquecidos por ele e tudo se fecha quando o nosso anjo da guarda nos abandona, estamos suscetíveis a coisas negativas em nossas vidas.

Ao preparar as comidas de santo, deve-se observar os tabus de cada um deles. Por exemplo, o azeite de dendê nunca deve ser oferecido a Oxalá, o mel é proibido a Oxóssi, o carneiro não pode sequer entrar em uma casa consagrada a Iansã etc. Os filhos de santo devem observar todas as quizilas dos seus Orixás e, sendo parte do Orixá, também não podem consumi-las.

A ijoyé encarregada de preparar as comidas dos Orixás é a Ìyá Basé, um cargo outorgado apenas a mulheres de grande sabedoria e respeito junto à comunidade. Ela é a mãe que conhece todos os segredos da cozinha e que sabe que o principal ingrediente para uma boa comida de santo, capaz de alcançar as mais altas dádivas, é o amor.

O primeiro Orixá cultuado também é o primeiro a comer, Exu ele come tudo que a nossa boca come, as oferendas dadas ele mais comumente são os padês a base de farinha de mandioca branca, combinada com azeite de dendê ou mel de abelha, água, bebida alcoólica e acaçá vermelho feito com farinha de milho amarelo e enrolado em folha de bananeira. em algumas ocasiões também são utilizados pimenta, cebola, bife e moedas nas oferendas a este Orixá.

Nas oferendas a Ogum são dados inhame assado com azeite de dendê e feijoada.
Oxóssi come axoxó feito com milho vermelho cozido decorado com fatias de coco. Ele também aprecia frutas e feijão fradinho torrado. As comidas devem ser colocadas sob o telhado ou aos pés de uma arvore.

A oferenda dada a Obaluaiê é a pipoca. Utilizando areia da praia para estoura-las e enfeitando com fatias de coco.

Oxumare prefere que sejam dados em oferenda a ele, bata doce amassada e modelada em forma de cobra e também farofa de farinha de milho com ovos, camarões e dendê.
Ossaim prefere acaçá, feijão, milho vermelho, farofa e fumo de corda.

O acarajé de forma arredondada com dendê é a oferenda consagrada a Iansã, mas também é do agrado de Obá.

Obá também tem preferência por um bolinho de nome abará que consiste em uma massa de feijão fradinho temperado com dendê enrolado em folha de bananeira e cozido em banho-maria.

O omolocum, feijão fradinho cozido com cebola, camarões e azeite de oliva e decorado com ovos cozidos e descascados é de Oxum.

Iemanjá prefere peixe de água salgada, regados ao azeite e assados, milho branco cozido e temperado com camarões, cebola e azeite doce, manjar com leite de coco e acaçá.

A Nanã é oferecido efó, mungunzá, sarapatel, feijão com coco e pirão com batata roxa.
O amalá pertence a Xangô. O amalá (pirão de inhame) deve untar o fundo da gamela e sobre ele é colocado o caruru decorado com pedaços de carne, camarões, acarajé e quiabo, doze unidades de cada e enfeitado com um orobô. É válido lembrar que a oferenda deve ser servida quente.

Oxalufã só aceita comidas brancas e tem preferência por milho branco cozido e sem tempero.

O inhame pilado é oferenda de Oxaguiã.
As comidas oferecidas a Orixás Funfun, devem ser sempre colocadas em louças brancas.

Um dos significados que podemos atribuir à palavra Axé é o da transmissão de força e recriação, evidenciada na lei de que tudo que dispomos na natureza, até mesmo a vida, devemos a ela devolver. Por isso, quando queremos levar nossos pedidos aos Orixás, o fazemos através de uma oferenda em forma de comida. Sabemos que estes pedidos serão ouvidos de acordo com a forma como são transmitidos. As oferendas quando devolvidas a terra ou à água transformam-se no húmus fertilizante que auxiliará na geração de novas vidas. Quando os pássaros, por exemplo, carregam esta alimentação para outros lugares, estão levando as sementes que germinarão em outras paragens. Nesse momento está se concretizando uma das formas mais bonitas de transferência de Axé.

é importante a conscientização dos terreiros para que procurem sempre colocar essas oferendas de matéria orgânica em vasilhas biodegradáveis, ou fora delas, direto no local. o uso de recipientes de vime forrados com folhas, balaios e sacos de pano, deve ser usado por todos, pois tudo isso se desfaz na natureza e não a polui, nem causa acidentes. Este zelo com a natureza é que nos caracteriza como cultuadores dos Orixás, que são os deuses da mãe natureza. Para continuarmos cultuando os Orixás, precisamos conservá-la. Pois, onde não há água limpa, muitas árvores, terra boa, não há habitat para os Orixás.

Posso afirmar, em conclusão, que no Candomblé a alimentação é uma das coisas mais importantes para o desenvolvimento das práticas religiosas. Inclusive, é importante destacar que comer desses alimentos também constitui uma forma de receber o Axé. Durante o oferecimento das comidas são realizadas saudações e entoados cânticos em forma de orações, invocando a força dos Orixás e pedindo que eles aceitem o que lhes é entregue de bom grado. Essa oferenda, então, passa a estar impregnada de toda força invocada, que também é Axé. Por isso devemos comê-la com concentração e em silêncio, pois estamos partilhando de um momento sagrado com os orixás.

Haveria muitas outras formas de falar da importância da comida no candomblé. Porém, a intenção desse trabalho é de fornecer algumas receitas dessa culinária maravilhosa, que é o banquete dos Orixás, do qual nós, seres humanos, às vezes temos a honra de compartilhar com eles, pois são deuses próximos de nós, que vêm falar com a gente, que dançam entre as pessoas. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais nos apaixonamos por eles.

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